Por Luciano Carlos Cunha
Os seguintes alegações são algumas das mais comuns nos debates sobre ética animal. Todas elas tem como base o mesmo argumento:
“Isso que você está a defender é moralmente opcional. Você quer ser vegano, que seja. Tenho o direito de não ser”.
“Sou vegano, mas quem quiser, tem o direito de explorar os animais”.
“Defendo meu direito de ser vegano, mas, quem quiser, tem todo o direito de não ser”.
“Quem quiser tem o direito de ser vegano, mas, impor o veganismo é uma coisa errada; quem quiser tem o direito de não ser vegano”.
Nossa postagem de hoje discute esse argumento. A conclusão do argumento é a de que seria errado defender que existe a obrigação moral de adotar o veganismo. A adoção do veganismo seria uma conseqüência da obrigação moral de se respeitar os animais (porque, como sabemos, para existir comida de origem animal é necessário haver morte e/ou sofrimento de animais).
Critérios para estabelecer o que é moralmente obrigatório e moralmente opcional
Defender que é uma obrigação se tornar vegano só seria errado se violar a integridade física e assassinar animais não humanos fosse moralmente opcional (ou seja, se alguém que viola a integridade física e assassina animais não humanos não estivesse a fazer nada de errado). Assim, o que precisa ser discutido é se é moralmente opcional violar a integridade física dos animais não humanos ou se é uma obrigação moral respeitá-los. E, é aí que aparece um grande problema para os que acusam os anti-especistas de estarem a fazer uma imposição injustificada quando defendem o dever de se praticar o veganismo: exatamente as mesmas razões que explicam o que há de errado em violar a integridade física (o fato de o sofrimento ser uma experiência intrinsecamente ruim) e assassinar humanos (o fim da possibilidade de ter experiências, para a vítima ser algo ruim) explicam ao mesmo tempo o que há de errado com violar a integridade física e assassinar qualquer outro ser senciente, independentemente de espécie.
Compare com outras coisas que são moralmente opcionais, como por exemplo, escolher que cor de camiseta vestir: nesse caso, há boas razões para se pensar que é errado obrigar alguém a vestir esta ou aquela cor de camiseta. Faria todo sentido dizer: “assim como você tem o direito de vestir azul, eu tenho o direito de não vestir”. Mas, decisões que violam a integridade física de alguém, causam a morte, causam sofrimento são diferentes de decisões que são valorativamente neutras. Não faria o menor sentido dizer, por exemplo: “quem não quiser estuprar crianças, que não estupre; quem quiser estuprar tem todo o direito de fazê-lo”. Mas, se todas as razões que explicam o que há de errado com violar a integridade física, assassinar, fazer sofrer seres humanos estão presentes quanto as vítimas são seres sencientes de outras espécies, então também não há sentido em se reivindicar um suposto “direito de não ser vegano”, pois isso é o mesmo que reivindicar um suposto “direito de violar a integridade física dos animais não humanos”.
Por que, seja lá o que defendermos, estamos reivindicando que uma determinada imposição é correta
As pessoas que fazem a acusação de imposição não acreditam que toda e qualquer imposição seja errada. Isso porque, quem faz essa acusação está a defender que determinadas imposições são corretas. Por exemplo, a imposição que se faz sobre os animais não humanos (sofrimento e morte) e a imposição que se faz sobre os outros humanos, em terem de respeitar o alegado “direito” de matar e torturar os animais não humanos. Isso não fica tão nítido, e parece que apenas os que estão a defender a obrigação de se respeitar os animais é que estão fazendo uma imposição. Isso é assim por dois motivos:
(1) Quando se defende que algo é moralmente obrigatório fica mais escancarado que se está a fazer uma imposição (pois “moralmente obrigatório” remete à uma obrigação), e quando se defende que algo é moralmente opcional isso não fica tão nítido porque é comum se esquecer que, quando se defende que algo é moralmente opcional, também se está a reivindicar uma obrigação (a saber, a obrigação de se respeitar que alguém escolha ou não aquilo que é moralmente opcional).
(2) No caso, quando se defende que “ser vegano é moralmente opcional”, se está a focar o discurso nos humanos. Não se fala, por exemplo: “assassinar os animais não humanos é moralmente opcional”. Isso é assim porque não se considera os animais não humanos como dignos de consideração. É por isso que os que defendem que o veganismo é moralmente opcional afirmam que não estão a fazer oposição a ninguém. Para eles, os seres sencientes de outras espécies são “ninguém”. Assim, parece que somente quem defende o dever de não se assassinar os animais está a fazer uma imposição porque nesse caso a imposição recai sobre humanos. Quando se defende que assassinar animais é moralmente opcional a maioria não percebe que se está a fazer uma imposição porque, nesse caso, os que recebem a imposição são os animais não humanos.
Imposições e imposições…
E, comparemos os dois tipos de imposição: os defensores de que respeitar os animais é moralmente obrigatório estão apenas a argumentar a favor dessa posição. Quem consome os animais está, literalmente, a causar sua vida inteira de intenso sofrimento e a morte de alguém. Assim sendo, se causar assassinato a alguém e condenar alguém a viver uma vida inteira de intenso sofrimento a cada segundo (nesse caso específico, a muitos seres) não é considerado imposição, ou é considerada uma imposição justificada, então, ou nada mais pode ser considerado imposição, ou então tudo o mais também pode ser considerado imposição justificada. Se impor sofrimento e morte aos animais não fosse uma imposição, impedir isso também não seria. É irônico que alguém que esteja a defender que é correto condenar alguém a uma vida inteira de sofrimento intenso a cada segundo e que esteja a defender é correto assassinar esse alguém reclame que os outros estejam a lhe fazer uma imposição apenas por argumentar a favor de que o que ele está a fazer é errado.
A necessidade de distingüir imposição justa e imposição injusta
Mas, supondo que não fosse assim. Supondo que os defensores dos animais não estivessem a reivindicar que cada um, individualmente, deve escolher não consumir produtos de origem animal, e sim, que estivessem a reivindicar direitos legais para os animais (ou seja, haveria uma obrigação legal de se respeitar os animais). A grande questão não é saber quais práticas são formas de imposições (já que praticamente todas são, quer se defenda que algo é moralmente obrigatório, quer se defenda que algo é moralmente opcional), mas sim, saber quais imposição são justas e quais são injustas. Reivindicar direitos legais para os animais não humanos seria defender uma imposição justa ou injusta?
Uma imposição é justa quando visa barrar uma imposição injusta (no caso do que acontece com os animais não humanos, a imposição injusta já está a ser feita anteriormente, com a sua exploração). Uma imposição é mais injusta quanto mais básicos forem os interesses violados com ela e maior for o dano causado. E, no caso do consumo de produtos de origem animal, está-se a violar a integridade física, tirar a vida, e fazer com que os animais não humanos tenham, desde o nascimento até a morte, uma vida que é apenas sofrimento intenso a cada segundo.
Uma imposição é mais injusta quanto mais fracas forem as razões a seu favor. Todas as razões que explicam o erro em se assassinar e violar a integridade física de humanos explicam ao mesmo tempo que é tão errado fazer as mesmas coisas com os seres sencientes de outas espécies (para entender, clique aqui). Assim sendo, há todas as razões possíveis para se afirmar que a imposição causada por se violar a integridade física e assassinar os animais não humanos é injusta – e não apenas isso: extremamente injusta. Assim, há todas as razões possíveis para se concluir que obrigar a se respeitar os animais não humanos, seja através de argumentação, seja através de uma reivindicação de direitos legais, é justa. Não há nada de absurdo com isso. Todos nós, incluindo aqueles que acreditam ser absurdo esse tipo de imposição, estão a fazer exatamente a mesma imposição sobre todas as outras pessoas, pois ninguém abdica de seus próprios direitos legais.
http://www.olharanimal.net/pensata-animal/luciano-carlos-cunha/669-a-acusacao-de-imposicao
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