de dúvida
Por Cida de Oliveira
O que é intolerância à lactose?
A estimativa é de que 60% da população mundial tenha algum grau de intolerância ao leite – problema mais comum ligado à bebida. “Tudo começaria por volta dos 5 anos, quando, geralmente, o organismo humano diminue a produção de lactase, enzima responsável pela digestão da lactose, o açúcar do leite”, diz a nutricionista Vanderlí Marchiori, fitoterapeuta, especialista em alimentação funcional e colaboradora do Conselho Regional de Nutrição, em São Paulo. A reação não é percebida sempre. Muita gente só descobre a intolerância mais tarde, quando deixa o alimento de lado e nota que a saúde e a pele melhoram. Quando não é digerida, a lactose passa por um processo de fermentação no intestino e se transforma em “comida” para fungos e outros microrganismos típicos da flora intestinal, que se multiplicam causando doenças e deixando as bactérias do bem, como os lactobacilos, em desvantagem. Quando isso acontece, o corpo dá sinais: intestino preso, dores abdominais, flatulência, dores de cabeça e dermatite atópia – uma alergia de pele que provoca manchas avermelhadas e coceira. Como as vitaminas e outros nutrientes essenciais dependem de um intestino sadio para ser absorvidos, o bom funcionamento do organismo como um todo acaba sendo afetado.
A nutricionista Maria Luiza Ctenas, de São Paulo, considera toda essa argumentação exagerada e afirma que há inúmeros estudos de instituições de pesquisa respeitadas em todo o mundo relacionando o leite à prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares, obesidade e câncer. Exatamente ao contrário do que dizem aqueles que defendem a retirada parcial ou total do alimento do cardápio. Um dos estudos citados pela nutricionista associa os ácidos graxos (as gorduras) presentes no leite à redução do colesterol ruim, ajudando, assim, a diminuir os riscos de infarto.
Já a nutricionista Silvia Cozzolino, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo (USP) e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição, não nega o fato comprovado pelas pesquisas de que a maior parte da população mundial pode ser intolerante à lactose. Mas afirma que a intolerância pode ser mais ou menos intensa. E garante: “Um copo diário de leite não chega a causar reação na maioria das pessoas, mesmo porque existem no mercado opções do produto com baixos teores de lactose”. Para quem não vive sem leite, ela sugere: em vez de cortá-lo totalmente, vale reduzir a dose. Além disso, iogurte, coalhada, cottage e outros queijos magros podem ser mantidos tranquilamente na dieta. No processo de industrialização, a lactose é transformada em ácido láctico, facilmente digerível até pelos estômagos mais sensíveis.
Alergia às proteínas
Para a turma do contra, a intolerância à lactose não é o problema mais sério relacionado ao leite. “Complicada mesmo é a alergia às proteínas, principalmente a betalactoglobulina e a caseína. O organismo humano não tem enzimas que possam digerir essas substâncias”, diz a nutricionista Denise Madi Carreira. Há dez anos, ela resolveu pesquisar o leite depois de, a pedido do pediatra, eliminá-lo da alimentação de seu filho, de 12 anos, que, até então, sofria de rinite, sinusite e bronquite. Depois disso, o garoto nunca mais precisou tomar remédio. “O leite estimula a produção de muco, que, em excesso, está relacionado a uma série de problemas respiratórios”, explica George Eliane Silva, clínico-geral, homeopata e nutrólogo. Sua opinião é compartilhada por vários profissionais que defendem a restrição ao consumo de leite.
Denise continua estudando o assunto até hoje e uma de suas conclusões é que as proteínas do leite não digeridas alteram a parede intestinal, responsável pela absorção dos nutrientes. “Essa alteração permite que as moléculas tóxicas, que seriam excretadas, entrem na corrente sanguínea, deixando o organismo mais vulnerável a doenças.” Por isso, alguns médicos e nutricionistas optam por retirar não só o leite como todos os laticínios da dieta de seus pacientes alérgicos. Ao contrário do que acontece com a lactose, não existe um processo industrial que faça a pré-digestão das proteínas. A alergia às proteínas lácteas não é diagnosticada com facilidade, e não há um exame 100% confiável. Muitas vezes, quando identificada, a doença já afetou o organismo.
Segundo a nutróloga Berenice Wilke, da Associação Brasileira de Medicina Complementar, todo leite animal (vaca, cabra e búfala) pode causar alergia por ser de difícil digestão. Uma saída seria substituí-lo pelo de soja (aquele do tipo original, sem sabor de fruta). Ele tem teor de proteína semelhante ao do leite de vaca e existem versões enriquecidas com cálcio. Maria Luiza não concorda e rebate com dados de mais uma pesquisa a favor da bebida. “O CLA, um ácido graxo presente na gordura do leite, tem propriedades anticancerígenas.” Como você vê, a discussão só está começando.
Leite pode causar até depressão?
É no intestino que boa parte da serotonina, o neurotransmissor responsável pela sensação de bem-estar e pela diminuição do apetite por carboidratos, é produzida. Quando as funções do intestino são prejudicadas — seja pela presença indigesta de um alimento ou por outro tipo de distúrbio —, a produção de serotonina fica comprometida. E a falta dessa substância no organismo está associada à depressão. “Se a causa do problema não é combatida, não adianta tomar antidepressivo”, diz Joaquim Ambrósio Trebbi Gonçalves, do Hospital da Beneficência Portuguesa, em São Paulo.
Médico ortomolecular e especialista em cardiologia, nutrição e medicina intensiva, ele é o supervisor técnico do livro Leite: Alimento ou Veneno? (editora Ground), do americano Robert Cohen, recém-lançado no Brasil. Na publicação, Cohen, psicólogo especializado em psicobiologia, lista outras doenças que poderiam ser desencadeadas pelo consumo de leite. O autor relaciona, inclusive, diversos tipos de tumor ao acúmulo no organismo dos hormônios do crescimento bovino, usados para aumentar a produção de leite. Essa relação aparece também no livro O Leite Que Ameaça as Mulheres, do francês Raphaël Nogier (Ícone Editora). Pesquisas recentes, feitas na Austrália e divulgadas pela Sociedade Brasileira de Diabetes, levantaram a suspeita de que a proteína do leite pode ser um gatilho para o diabetes tipo 1 em pessoas que já tenham uma predisposição para a doença. Mas são estudos iniciais, ainda sem confirmação definitiva. O médico grego Fedon Alexander Lindberg escreve no livro A Dieta dos Deuses (Editora Gente) que, consumido com moderação, o leite pode fazer parte de uma dieta balanceada desde que o organismo o tolere bem. Mas avisa: “Nenhum outro animal ingere leite de espécies diferentes após o período de lactação”. E conclui: o ser humano se mantém saudável sem consumir leite. Afinal, 1,2 bilhão de habitantes da China sobrevivem muito bem sem laticínios. Sua preocupação é o risco de osteoporose? Segundo Fedon, os escandinavos, grandes consumidores da bebida, apresentam frequente incidência de perda de massa óssea.
Como repor o cálcio?
Sem dúvida, o leite (e derivados) é campeão absoluto de cálcio, mineral mais que importante para garantir ossos fortes. Mas, veja bem: não basta incluí-lo no cardápio. Para manter o equilíbrio ideal de cálcio, o organismo não depende apenas da ingestão mas também da absorção desse mineral. Segundo especialistas, o cálcio necessita de outros minerais como o boro, o magnésio e o manganês para ser fixado nos ossos. E a presença desses nutrientes depende diretamente de uma alimentação balanceada. As folhas escuras, como couve, brócolis, chicória, almeirão, escarola e mostarda, têm de sobra tanto o cálcio como os outros minerais citados. Um prato de sobremesa dessas verduras todos os dias, no almoço ou no jantar, dá conta de repor o cálcio que o corpo precisa. Outra alternativa, segundo a nutricionista Vanderlí Marchiori, é incluir nas receitas diárias uma pasta de gergelim chamada tahine, tempero de origem árabe encontrado nos supermercados. Ela sugere também o consumo diário de uma colher de sobremesa da mistura de sementes de linhaça, girassol (sem casca) e gergelim. Vanderlí ressalta que, quando o manganês, o magnésio e o boro são insuficientes, o cálcio fica circulando pelo organismo, podendo causar artrite, bursite e cálculos renais. Já para repor as proteínas do leite de modo satisfatório, a nutricionista recomenda leite de soja, tofu (queijo de soja), frango, peixe e carne vermelha magra, ovo, feijão, grão-de-bico e lentilha, por exemplo.
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